Por Letícia Vanelli

Em tempo recorde, Brasília nasceu após três anos de trabalhos intensos de milhares de brasileiros. Considerada por muitos como “terra prometida”, a terceira e atual capital do Brasil parecia um sonho distante. Foram inúmeras tentativas de transferir a sede do governo do país para uma localização mais central até que tudo mudou quando Juscelino Kubitschek foi nomeado presidente da república. 

O intuito era dar continuidade no plano desenvolvimentista de Getúlio Vargas de forma que o país se livrasse da dependência da exportação do café e desse espaço para a indústria de base. Era preciso se reinventar já que uma nova ordem econômica estava sendo desenvolvida. Vale lembrar que a construção de Brasília aconteceu nos Anos Dourados, período que representou a crescente prosperidade econômica vivida pelos Estados Unidos durante as décadas de 1950 e 1960. 

MONUMENTOS BRASÍLIA

A construção de Brasília representou uma fase de modernidade ao Brasil (Foto: Reprodução/Evandro Mozzer)

A cidade-projeto Brasília foi inaugurada em 21 de abril de 1960, data associada à independência brasileira por homenagear os inconfidentes que sonhavam com um Brasil livre. Simbolicamente, Brasília faz aniversário no mesmo dia que Tiradentes, líder da inconfidência mineira, foi executado; único dos inconfidentes homenageados com um feriado nacional. 

A nova capital do país foi planejada pelo arquiteto Lúcio Costa seguindo os ideais da arquitetura moderna propostos por Le Corbusier com o auxílio de Oscar Niemeyer. As construções são lindas com muitas curvas e ângulos. Não é à toa que esta é a única cidade modernista, reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco em 1987.

POR QUE BRASÍLIA?

Os planos para a nova capital do Brasil vieram muito antes que se imagina. Já em 1808, quando dom João VI e a corte portuguesa se instalaram em solo tupiniquim, falava-se que o Rio de Janeiro não poderia ser promovido como braço direito do Reino de Portugal. A localização costeira tornava a capital vulnerável aos ataques estrangeiros pelo mar – como aconteceu em 1711 com a invasão francesa na baía de Guanabara sob o comando de René Duguay-Trouin.

Claro que a interiorização da capital não seria benéfica para os negócios entre o porto carioca com os negociantes britânicos. Por isso, o plano foi deixado de lado, até que após a Independência, em 1823, José Bonifácio de Andrade e Silva propôs novamente a mudança da capital para uma nova cidade no Planalto Central, que se chamaria Petrópole, uma homenagem a Dom Pedro I, ou Brasília – versão em latim de Brasil.

Em 1877, a região de Brasília foi cotada pela primeira vez pelo historiador Francisco Adolfo de Varnhagen. Cerca de 20 anos depois, a mando de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, primeiros presidentes da república, uma comissão técnica composta por cientistas, geólogos, botânicos e especialistas em arquitetura explorou o mesmo local que Varnhagen tinha sugerido. Conhecida como Missão Cruls, o francês Louis Ferdinand Cruls chefiou a equipe que fez o levantamento sobre a topografia, clima, geologia, flora, fauna e os recursos materiais da região.

Com a queda da monarquia, mais uma vez o projeto seria discutido durante a Assembleia da Constituinte de 1891. Desta vez, se espelhando na organização dos Estados Unidos, o qual determinou pequenas cidades para serem sedes do governo. Agora, a construção do Distrito Federal se tornou lei. A construção recebeu o prazo até 1921, pouco antes da Independência do Brasil completar cem anos. Porém, apenas um pequeno obelisco foi construído no Distrito Federal, na zona rural de Planaltina, a mando do presidente Epitácio Pessoa. Aliás, você pode dar uma esticadinha na viagem para conhecer o monumento mais de perto. 

Até então eram apenas planos e mais planos, mas tudo mudou quando Juscelino Kubitschek, candidato da coligação entre o PSD e PT, prometeu a construção de Brasília durante a sua campanha à presidência. Em 1956, JK se elegeu  com o famoso slogan “50 anos em cinco” e pode, finalmente, colocar em prática os seus planos de modernização do país.

Juscelino Kubitschek em desfile a carro aberto pela cidade (Foto: Reprodução/O Cruzeiro)

Embora nenhum outro governante levasse a ideia adiante, a construção de uma nova capital era eficiente não somente para evitar possíveis ataques marítimos, mas também contornar crises como as encontradas em um país dividido. O processo foi exaustivo e muito longo para que Brasília se tornasse o que é hoje. Foram mais de 150 anos para que JK se tornasse o protagonista e levasse todos os méritos.

O ÁPICE DA ARQUITETURA MODERNA

Não foi fácil escolher um projeto para Brasília! A proposta do urbanista Lúcio Costa foi o primeiro colocado dentre as 26 apresentadas por arquitetos e engenheiros durante o concurso público proposto por Oscar Niemeyer em setembro de 1956. Muitos acharam injusta a vitória do urbanista, pois ele submeteu o projeto poucas horas antes do encerramento. Muitos acreditavam que o esboço era genial, enquanto outros afirmavam ser um esboço simples e que sua aplicação não deveria nem ter sido aprovada. 

De fato, a proposta de Costa era simples, mas seu olhar minimalista tornou Brasília referência. A cidade foi projetada em plano cartesiano com o eixo norte-sul levemente inclinado, garantindo a impressão da forma de um avião. De um lado, o Eixo Monumental que abrigaria todos os edifícios do governo e, do outro, o Eixo Rodoviário-Residencial em forma de asas. A ideia foi visionária, pois, a área destinada à população seria construída em superquadras do mesmo tamanho como símbolo de igualdade e organização. 

Lúcio Costa foi o vencedor do concurso que definiria qual projeto arquitetônico daria forma a nova capital federal (Foto: Reprodução/“Projetos para Brasília: 1927 – 1957”)

Estas superquadras possuem cerca de dez blocos de apartamentos não muito altos. As quadras 300 possuem apenas seis andares, com exceção da 308 que possui o único prédio com apenas 4 andares da cidade e estacionamento subterrâneo. Já a 400 se restringe aos três andares. Apesar da diferença de tamanhos, as construções foram padronizadas com piso escuro e colunas de mármore branca. Não podemos esquecer dos pilotis, muito comuns na construção da cidade. Os quartos e salas são voltados para a nascente. Já a fachada foi projetada com cobogós, espécie de tijolo vazado.

Lúcio Costa não idealizou Brasília sozinho, muito pelo contrário, a equipe responsável pela construção foi formada por artistas talentosos. Niemeyer se encarregou dos prédios e monumentos da capital. Escolhido a dedo por JK, sua participação não causou espanto, muito menos estranhamento – ambos já haviam trabalhado juntos em algumas obras quando o ex-presidente foi prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas Gerais nas décadas de 1940 e 1950.

LÚCIO COSTA, NIEMEYER E JK - BRASÍLIA

Juscelino Kubistchek observa maquete e projeto de Brasília ao lado de Lúcio Costa (primeiro a direita) e Oscar Niemeyer (primeira esquerda) (Foto: Reprodução/Arquivo Nacional do Brasil)

Costa e Niemeyer formaram uma dupla imbatível e colocaram em prática a dicotomia das linhas sinuosas que desafiavam os cálculos da engenharia e o funcionalismo ensinado pelo arquiteto suíço Le Corbusier, através da Carta de Atenas publicada em 1933. Além deles, Burle Marx ficou responsável pela construção dos jardins e praças, enquanto Athos Bulcão deu vida aos azulejos, marca registrada da cidade. 

A beleza da capital não se restringe apenas aos monumentos, mas também ao céu azulado que ganha o coração dos turistas. Naturalmente, a cidade tem o relevo predominante plano, o que não favorece a construção de prédios muito altos. De qualquer ponto da cidade, é garantido a vista panorâmica e tenha em mente que vai ser sempre uma nova surpresa.

QUAIS FORAM OS PRIMEIROS MORADORES DE BRASÍLIA

Os primeiros moradores de Brasília chegaram para que a construção da nova capital finalmente acontecesse. Inicialmente, foram 256 imigrantes de todos os cantos do Brasil, sendo a maioria do norte e nordeste. Estas pessoas foram contratadas pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) para começarem as construções em 1957. 

Se enganava quem acreditava que seria fácil para estes migrantes. Ao chegar na cidade, eles recebiam apenas um colchão, cobertor, travesseiro e um cartão de identificação para se instalarem nos alojamentos. Aliás, homens solteiros se acomodavam em lugares diferentes dos casados e famílias. Apesar de inusitada, era uma forma que a Novacap achou para evitar conflitos internos entre estes operários já que o número de mulheres era muito pequeno. 

Enfim, a viagem ao Cerrado era um tiro no escuro, ninguém tinha garantia de conforto, muito menos bem-estar, mas estavam dispostos a tentar fugir da seca e miséria, muito presentes em suas cidades natais. O salário era pago por horas trabalhadas estabelecidas por uma tabela de preços. Cada operário trabalhava uma média de 15 horas diárias para garantir uma boa quantia no final. Só a título de curiosidade, o valor pago variava entre 3.000 a 6.000 cruzeiros equivalem R$ 241,30 a R$ 482,60, sendo que o valor médio da cesta básica em 1959 era de R$ 1.623 (os valores foram ajustados conforme a mudança de moeda e inflação pelo IPC-SP).

CANDANGOS - BRASÍLIA

Pessoas de diversas regiões do Brasília, participaram da construção de Brasília. Em sua maioria sertanejos, estes foram os primeiros habitantes da capital federal (Foto: Reprodução/ Marcel Gautherot)

A vida destes operários civis era difícil, mas a situação ficava ainda mais complexa pelo tratamento que recebiam das pessoas ao redor. Existia um preconceito muito forte, principalmente, por serem nomeados como candangos. A palavra é derivada da língua quimbundo, falada no sudeste da Angola, mas ninguém sabe ao certo como este termo ficou popular. Antigamente, a palavra era usada para identificar os senhores portugueses e, com o tempo, serviu também para reconhecer os cafuzos (mestiços de índios e negros). Porém, o escritor Euclides da Cunha utilizou a palavra para designar o sertanejo de aparência triste e cansada em seu livro Os Sertões. 

Apesar da definição dada pelo literário ser mais branda, o termo carregava um viés negativo, como se fosse uma forma de segregar estas pessoas. Hoje, ser chamado de candango é visto como um ato amoroso e de identificação dos brasilienses. Graças às pessoas intituladas como candangas no passado, Brasília se tornou real em apenas três anos de construção! No entanto, muitos morreram durante o processo, sendo o acidente mais impactante aconteceu durante a construção da Universidade de Brasília que dois operários foram soterrados. Por conta deste episódio, o artista Bruno Giorgi construiu a estátua Os Guerreiros, antes conhecida como Os Candangos, como homenagem a estes trabalhadores. 

DECLÍNIO DOS ANOS DOURADOS, ASCENSÃO DOS ANOS DE CHUMBO

Após a sua inauguração, Brasília viveu apenas quatro anos sob um regime democrático com Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. A proposta de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer era projetar uma cidade para que o Brasil expressasse a fase dos Anos de Ouro, porém, com o golpe militar em março de 1964, a cidade se transformou em símbolo da repressão. 

A título de contextualização, o golpe militar aconteceu durante o governo do presidente João Goulart, que desenvolvia projetos de valorização dos direitos trabalhistas, defesa das reformas de base e independência nas relações exteriores. Sob o contexto da Guerra Fria,  essas mudanças foram vistas como uma ameaça e uma proximidade com o comunismo, assim, os militares se uniram para aprofundar as ligações com o capital financeiro e industrial internacional.

Esta época, uma das mais obscuras da história mundial, é conhecida como Anos de Chumbo. Assassinatos, exílios, desaparecimentos: ninguém estava seguro, não tinha onde e nem como se esconder das represálias. Jovens corriam da polícia, mas não adiantava, eles ainda te viam. O plano era transformar Brasília em um exemplo para os demais estados, vendendo a capital como uma cidade pacata.

No entanto, com a chegada dos militares ao poder, se tornou mais comum jovens manifestarem os seus descontentamentos e oposição aos governos vigentes. A Universidade de Brasília foi palco de muitas invasões militares, tornando o combate entre policiais, exército e estudantes muito recorrentes. 

CASTELLO BRANCO - BRASÍLIA

Foi durante o governo do militar Castello Branco instaurado o primeiro Ato Institucional que legitimava o golpe (Foto: Reprodução/Divulgação)

As repressões se tornaram ainda mais violentas quando, durante o governo do general Costa e Silva, foi implantado o AI-5, em dezembro de 1968, considerado como “o ano que não acabou”. As saídas aos bares da cidade eram muito cautelosas, qualquer um poderia estar à paisana esperando o momento para intervir e prender o grupo de amigos que criticavam o governo. Não eram apenas intimações policiais, mas sessões de torturas. 

Os brasilienses exalavam medo quando Veraneios nas cores laranja e preto, carro da Chevrolet usado pela DOI-CODI. Porém, isto não foi motivo o suficiente para que os jovens permanecessem calados. As manifestações se intensificaram, o famoso lema “é proibido proibir” ganhou força. Aliás, Renato Russo compôs a música Veraneio Vascaína, a qual relata a violência e abordagem policial na época de um jeito bem ácido e provocativo. 

VERANEIO CARRO BRASÍLIA

Os militares utilizavam o Chevrolet Veraneio para fazer rondas e amedrontar os jovens brasilienses (Foto: Reprodução/Instagram)

Apesar do medo, os jovens não perderam se intimidaram. Logo após a extinção do AI-5, em 1978, a Lei da Anistia foi assinada, o que permitiu o retorno dos brasileiros ao país. Mesmo com grandes avanços, os militares ainda queriam barrar o retorno civil para o campo político. O presidente ainda seria decidido conforme os desejos do Colégio Eleitoral, ou seja, o Congresso Nacional, em sua maioria militares, decidiam quem seria o chefe da nação.

De qualquer forma, o momento foi propício para que as pessoas se organizassem para a volta da democracia. Foi então que surgiu o movimento  Diretas Já que reuniu milhares de pessoas exigindo a aprovação da emenda do deputado Dante de Oliveira, que alterava o texto da Constituição de 1967, instituindo a eleição direta para a presidência da República.

DIRETAS JÁ - BRASÍLIA

A população se organizou para que a democracia fosse restabelecida no país (Foto: Reprodução/Álvaro Dias)

Embora a mobilização tenha sido enorme, a emenda não foi aprovada no Congresso – eram necessários 320 votos, mas atingiu apenas 298. Apesar da frustração, as pessoas ainda lutavam pela redemocratização. Os partidos da oposição que faziam parte do Colégio Eleitoral se uniram para apoiar algum candidato que não fosse militar. A campanha de Tancredo Neves foi decisiva neste momento. O candidato à presidência agradou muito a população, fazendo com que o Colégio Eleitoral o apoiasse. 

Com 480 votos a favor, Neves marcou o fim dos 21 anos de regime militar no país, iniciando-se a Nova República. Infelizmente, o presidente eleito faleceu antes mesmo de assumir o poder, fazendo com que o vice-presidente, José Sarney, tomasse posse. De qualquer forma, a caminhada de Sarney pelas rampas do Palácio do Planalto oficializou o começo de uma nova história para o país.

CAPITAL DO ROCK, BEBÊ!

Como a cidade era nova, a geração do rock colaborou para que a identidade da cidade fosse construída. Não foi à toa que a cidade conquistou o título de Capital do Rock na década de 1970! O estilo punk inglês do Sex Pistols e The Clash foi essencial para que os jovens pudessem se expressar tanto na música com críticas ao governo e às instituições, quanto no comportamento durante o momento de repressão que o país lidava com a ditadura militar. Legião Urbana, Capital Inicial, Raimundos e Plebe Rude são algumas bandas que surgiram em Brasília e perpetuaram as suas histórias!

O movimento do rock teve seu pontapé com A turma da Colina, responsável pelas horas de lazer e cultura dos jovens brasilienses. O grupo era composto por Renato Russo, Dinho Ouro Preto, Hebert Vianna e Bi Ribeiro se encontravam na Colina, um conjunto de prédios utilizados por professores e estudantes da pós-graduação da Universidade de Brasília, nos bares e nas superquadras da cidade para escutar um bom rock’n’roll e se divertir. 

ROCK EM BRASÍLIA

Os jovens brasilienses se uniam nos parques da cidade para se reunir e fazer shows de punk rock (Foto: Reprodução/Divulgação)

Renato Russo revolucionou a cena musical ao lado de André Pretorius, filho de um embaixador sul-americano, e Felipe Lemos com a primeira anda de punk da cidade, Aborto Elétrico. Infelizmente, não há muitos registros da banda que se dissolveu em 1982, mas foi a percussora para que outras fizessem história. 

No entanto, este não foi o fim da carreira artística de Renato Russo que se reuniu com Dado Villa-Lobos, sobrinho-neto do compositor Heitor Villa-Lobos, e Marcelo Bonfá para formar a Legião Urbana. “Será”, “Tempo Perdido” e “Que País é Este?” são canções emblemáticas e se tornaram hinos. Além disso, outro grande nome foi Cássia Eller, que, apesar de ser carioca, começou sua carreira musical na capital com a música “Por Enquanto”, uma parceria com a Legião Urbana.

Com seu vozeirão, Eller reunia mais de 500 pessoas no bar Bom Demais, um dos lugares mais badalados do Planalto Central entre 1984 e 1990, às quintas quando tocava com um trio de jazz. Não só ela, mas Zélia Duncan também se apresentou neste bar e tantos outros pela cidade. Apesar de não serem brasilienses, estes ícones da música viveram parte das suas juventudes e começaram a sua carreira na cidade. 

CÁSSIA ELLER - SHOW

Cássia Eller, o percussionista Bani e, ao fundo, Eugênia, em 1987, no bar Bom Demais (Foto: Reprodução/Sandro Alves)

O cenário musical é tão forte que músicos e produtores se uniram para organizar o festival Porão do Rock, uma homenagem ao estúdio que foi berço de grandes bandas. A primeira edição aconteceu em 1998, perpetuando até hoje com um papel muito importante para o desenvolvimento do turismo e do mercado da música independente. Para os amantes da boa música, é essencial que você conheça este festival!

LUTA PELA VIDA: A MAIOR MANIFESTAÇÃO INDÍGENA PÓS-CONSTITUINTE

Âmago político, recentemente, a cidade viu com os próprios olhos a maior manifestação indígena pós-Constituinte. Em agosto, seis mil indígenas, oriundos de diversas partes do Brasil, organizaram um acampamento na Praça dos Três Poderes para acompanhar o julgamento do Supremo Tribunal Federal, que estabelecia se os povos Xokleng, Kaingang e Guarani teriam direito à terra indígena Ibirama La-Klãnõl, localizada em Santa Catarina. O movimento ficou conhecido nacionalmente como Luta pela Vida e reuniu 176 povos diferentes. 

A manifestação contra a aprovação do “marco temporal”, defendido por ruralistas desde 2017, afirma que as terras indígenas só podem ser reivindicadas se estas forem ocupadas antes da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. A tese surgiu após o governo de Santa Catarina afirmar que Ibirama La-Klãnõl foi vendida a proprietários rurais no final do século XIX.  

LUTA PELA VIDA - BRASÍLIA

A Luta pela Vida foi a maior manifestação pós-constituinte organizada pelos indígenas (Foto: Reprodução/Amazônia Real)

Originalmente, os Xokleng foram expulsos e perseguidos por “bugueiros”, especialistas em atacar e dizimar aldeias contratados pelo governo das províncias imperiais do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Os sobreviventes se agruparam no Distrito de Hamônia, atualmente Ibirama, que se tornou terra indígena após um decreto assinado pelo governador de Santa Catarina, Adolfo Konder, em 1994. 

A área demarcada tinha inicialmente 40 mil hectares, porém caiu para 15 mil após os roubos de terra. Contudo, em 2003, foi aprovado um aumento da terra indígena para 37 mil hectares. A decisão foi uma forma que o Ministro da Justiça encontrou para compensar a comunidade Xokleng por danos materiais e culturais. Mas, não demorou para que políticos ruralistas afirmassem que nesta ampliação cerca de 457 pequenas propriedades agrícolas – medindo 15 hectares cada – tinham sido afetadas. 

Alexandre de Moraes, atual ministro do Supremo Tribunal Federal, entende que o caso é de “repercussão geral”, o que gera consequências a todos os procedimentos demarcatórios – são 537 casos sem terem sido analisados e 245 não concluídos. A decisão coloca em risco muitos processos, pois as comunidades foram perseguidas e expulsas dos seus territórios originais sob violência devido à expansão rural e urbana dos brancos, pelo desmatamento ou pela proliferação de doenças antes de 1988. Por ora, o ministro suspendeu o julgamento por tempo indeterminado para analisar o caso com mais calma.