Por Letícia Vanelli

Os prédios altos, o trânsito caótico, o calor intenso e a vida noturna em Khaosan Road e Patpong causam estranhamento nos turistas. Mas, Bangkok tem muito o que oferecer, e não só é uma das cidades mais interessantes do Sudeste Asiático como também é considerado um tesouro nacional. A província mescla com maestria os arranha-céus com os mais de 400 templos, os “wat” como são chamados em tailandês.

Para compreender Bangkok, é preciso saber como o Reino da Tailândia se transformou no que é atualmente. A Tailândia, como estamos mais habituados em chamá-la, é regida por uma monarquia constitucional. Enquanto países como a Indochina, a Índia e a Birmânia foram colonizados por franceses e britânicos, o Reino da Tailândia foi o único país no Sudeste Asiático que não foi invadido por europeus. 

Apesar de não ter ocorrido a colonização, a história foi marcada por dinastias, o que explica o senso de patriotismo que a população possui. A cultura tradicional tailandesa acredita que o rei nasceu para administrar e proteger o seu povo — pisar na moeda local, maldizer sobre a família real ou danificar a bandeira são vistos como desrespeito, causando advertências e, em certos casos, até mesmo prisão. 

 

A HISTÓRIA DE BANGKOK A PARTIR DAS DINASTIAS

A Tailândia surgiu a partir de uma rebelião planejada por Khun Bang Klang Hao, responsável pelo território Bang Yang, com o objetivo de libertar as pessoas do domínio Khmer, reino cambojano de Angkor. Em 1238, após derrotar o representante Khmer na cidade de Sukhothai, nordeste da Tailândia, Hao foi nomeado rei Si Inthrathit, que poderia ser traduzido do sânscrito para “O Rei Sol com o Poder de Indra”. Com todas as suas conquistas, o rei ainda recebeu o título de Phra Ruang, o qual os reis subsequentes de Sukhothai também herdaram. Assim nasceu a primeira dinastia real da história da Tailândia.

Foi aí que o povo se nomeou como tailandês, reafirmando serem “livres” como a tradução revela. Si Inthrathit é considerado o “pai fundador da nação tailandesa”. No entanto, por ser formada por imigrantes do centro-sul da China, com os povos Mon e Khmer, os tailandeses ficaram conhecidos no ocidente como siameses, derivado do sânscrito Śyāma, em referência ao tom escuro de sua pele. 

Além de ter originado a primeira nação tailandesa, a cidade de Sukhothai manteve sua prosperidade, sendo um centro de produção e exportação de cerâmica em todo o Sudeste Asiático por dois séculos até que um novo reino surgiu ao sul. 

Em 1951, a mando do rei Ramathibodi I, a cidade-estado Ayutthaya — que seria a capital da Tailândia por mais de 400 anos, até a invasão dos birmaneses — se estabeleceu na intersecção dos rios Pa Sak, Chao Phraya e Lopburi. Numa tradução literal, seu nome é uma alusão ao Ayodhya no norte da Índia – cidade do herói Rama no épico hindu Ramayana – que significa “a cidade invencível” e não seria para menos.  

Por sua localização privilegiada entre a China, a Índia e o arquipélago malaio, Ayutthaya se tornou uma grande potência marítima e centro para a diplomacia global. Aos poucos, os monarcas foram conquistando uma coleção de principados autônomos e províncias tributárias que juravam fidelidade ao rei. 

O Reino de Ayutthaya, conhecido pelos europeus como “Reino do Sião”, se tornou uma das cidades mais ricas e cosmopolitas do mundo. A corte de Versalhes de Luís XIV discutiu a possibilidade de uma aliança militar e comercial com o reinado, enquanto o explorador português Fernao Mendez Pinto a classificava como a Veneza do Oriente.

Não demorou muito para que este sucesso terminasse. Em 1767, com apenas 416 anos, o reino foi destruído durante a batalha contra a Birmânia (atual Mianmar). Ao todo foram dois anos de disputas, até que os birmaneses tomaram total controle e a incendiaram. Cerca de 1.500 templos foram destruídos, 4.000 estátuas de Buda decapitadas – eles acreditavam que assim os deuses locais estariam mortos -, além de boa parte de seus registros oficiais, arte e literatura.

Após o ataque, Sião ficou dividido em cinco Estados: Phimai, Phitsanulok, Sawangburi, Nakhon Si Thammarat e Thonburi. Em 1767, o General Phraya Taksin recuperou a independência de Thonburi, uma antiga cidade com muitos fortes e templos, e se declarou rei. Inicia-se, então, a dinastia Thonburi marcada pela reunificação do Reino de Sião – foi preciso quatro anos para reconquistar os demais estados.

Por ainda estar próximo da foz do rio Chao Phraya, a nova capital do Reino de Sião ainda poderia manter suas relações comerciais com a Grã-Bretanha, China e Holanda. Com o passar dos anos, o rei Taksin, acusado de insanidade, foi deposto por uma facção comandada por Phraya Sun e, em 1782, decapitado pelo general Chao Praya Chakri. Ao ter estabelecido ordem na cidade, o geral se declarou rei, iniciando a dinastia Chacki. A partir de então, Chacki recebeu o título de Rama I que, provavelmente, uma referência a uma das principais divindades do épico hindu Ramayana.

A partir do reinado de Rama I, a capital foi transferida de Thonburi para a ilha de Rattanakosin, onde mais tarde se tornaria Bangkok. O novo rei ainda ordenou que fosse construído um castelo na margem oposta do rio (link para a matéria do Grande Palácio) para que sua fuga fosse facilitada no caso de uma nova invasão birmana.

Como todo centro do Reino de Sião, a cidade era oficialmente conhecida como Krungthep, o que significa “Cidade dos Anjos” – reutilizar este termo foi uma forma de estabelecer uma cidade tão poderosa na história quanto Ayutthaya. O nome em Pali (budismo Theravada) e Sânscrito (budismo Mahayana) é justificado pela forte influência cultural de religiosos da Índia com Bramanismo e Budismo.

Apesar de Krungthep ser um dos seus nomes oficiais, mundialmente, a província é chamada de Bangkok por estrangeiros. Acredita-se que ao atracar navios num pequeno povoado de pescadores, o comandante perguntava onde estariam e os moradores respondiam “Bang Makok”, com o tempo o nome sofreu alterações até se tornar o que conhecemos hoje. Existem duas traduções para Bangkok, o que pode significar “aldeia das oliveiras” ou “ilha à beira-mar”. 

Anos mais tarde, Rama IV decidiu aprimorar o nome oficial da cidade, o que garantiu o título de nome mais longo do mundo no Guinness Book. “Krung Thep Mahanakhon Amon Rattanakosin Mahinthara Ayuthaya Mahadilok Phop Noppharat Ratchathani Burirom Udomratchaniwet Mahasathan Amon Piman Awatan Sathit Sakkathattiya Witsanukam Prasit” – o que traduzido para o português seria “Cidade dos anjos, grande cidade dos imortais, magnífica cidade das nove gemas, sede do rei, cidade dos palácios reais, lar dos deuses encarnados, erguida por Visvacarma sob comando de Indra”.

 

GOLPES DE ESTADO: COMO A MONARQUIA ABSOLUTISTA ACABOU?

A dinastia Chacki permanece no poder até hoje, porém como uma monarquia constitucional instaurada em 1932 após um golpe promovido por jovens estudantes siameses liderados por Pridi Banomyong, um dos fundadores do Partido do Povo (Khana Rasadon)  – primeiro partido político de Sião – com o auxílio dos militares.

Banamyong foi o responsável pela primeira constituição da Tailândia. No entanto, desde que aconteceu o primeiro golpe de estado, os militares tentaram outros 19, sendo apenas 12 deles bem sucedidos.

 

O REI MAIS ADORADO DA HISTÓRIA DA TAILÂNDIA

O primeiro governo eleito democraticamente aconteceu em 1946 sob o reinado de Rama IX, o mais adorado da história da Tailândia. Aliás, Rama IX – ao lado da Rainha Elizabeth – é um dos monarcas que ficaram mais tempo no trono. Em seus 70 anos de poder, Rama IX foi responsável por instaurar uma democracia mais moderna com a Constituição do Povo em 1999, embora tenha apoiado o golpe de estado que resultou no massacre de Thammasat, matando muitos estudantes e civis pró-democracia.

O falecimento do monarca foi anunciado em 2016 após diversas internações. Para que os tailandeses pudessem se despedir de um dos maiores reis da história do país, o velório durou cerca de um ano. Além disso, foi decretado luto nacional por 30 dias, tornando a cidade apática e com toda a população vestida com trajes pretos. Nenhuma nação até então teria sofrido tanto com a perda de um governante – até mesmo os programas de TV eram exibidos em preto e branco durante este período. 

Maha Vajiralongkorn, único filho homem do falecido rei, só pode ser coroado após a cremação do seu pai, o qual ocorreu em outubro de 2017. Desde que subiu ao poder, Rama X não agradou o povo, principalmente, por estar se comportando como um “bad boy” aos 68 anos. Durante o ápice da pandemia do coronavírus, o monarca se “isolou” com cerca de 20 mulheres em um hotel de luxo na Suíça, o que causou revolta em toda a população.

 

TAILÂNDIA OU SIÃO? 

Os tailandeses se referem ao seu país como “Mueang Thai”, que significa “Terra dos Tailandeses”. Porém, como dito anteriormente, o ocidente rotulou o país como Reino de Sião, enquanto os tailandeses eram conhecidos como siameses. 

Com a instauração da monarquia constitucional, o primeiro-ministro Phibun Songkhram, inspirado no nacionalismo italiano e alemão, emitiu um decreto em 1939 que alterava o nome de “Reino de Sião” para “Reino da Tailândia” para manter a uniformidade cultural – era um ataque a diversidade étnica do país, principalmente aos chineses.  

Essa mudança não durou muito tempo. Em 1945, o nome do país em língua estrangeira voltou para Sião quando primeiro-ministro foi deposto. Mas, não se engane, pois não foi a última alteração. Três anos após o retorno do nome original, Phibun assumiu novamente o cargo de primeiro-ministro através de um golpe de estado e oficializou, mais uma vez, o nome estrangeiro do país para a Tailândia – além de reforçar as campanhas anti-chinesas.

 

A SABOROSA E AROMÁTICA ARTE DA COZINHA EM BANGKOK 

A cozinha tailandesa é uma verdadeira mistura de sabores e texturas, o que a torna inesquecível. Em apenas um prato, você é capaz de sentir a mistura especial dos cinco sabores: doce, amargo, azedo, salgado e picante. Por serem descendentes diretos dos chineses, há muitas semelhanças entre a cozinha tailandesa e chinesa, assim como influência de outras como a europeia e japonesa. 

Por ser a maior exportadora de arroz do mundo, não seria uma surpresa se a base alimentar fosse este grão. Isto fez com que os tailandeses fossem muito perspicazes na criação de vários pratos temperados de formas distintas – frito, fervido, na sopa ou na versão pegajosa com manga e leite de coco. Não para por aí: capim-limão, pimenta, arroz, leite de coco, molho de peixe, molho de ostra, manjericão tailandês, frutos-do-mar, tofu e frango também são alimentos essenciais na maioria dos pratos. Não podemos deixar os diversos curries de lado. 

Pad Thai é o símbolo nacional: macarrão de arroz combinado com tofu, amendoim tostado, suco de tamarindo e molho de camarão ou frango trazem o perfeito equilíbrio visual e gustativo. Não tem desculpas para você não se deliciar com esta iguaria, principalmente, em uma das milhares barraquinhas de rua espalhadas pela Khao San Road e Chinatown.

 

ALÉM DOS TEMPLOS: A PROBLEMÁTICA DO TURISMO SEXUAL

Apesar de o país ser em sua maioria conservadora, Bangkok fatura cerca de  US$ 6,4 bilhões com o mercado sexual, o que representa 3% do seu PIB. Estima-se que sejam quase três milhões de prostitutas na Tailândia, sendo que 800 mil delas sejam menores de 18 anos. Em sua maioria, meninas da área rural do país em busca de melhores condições financeiras, uma vez que as mulheres não possuem tantas oportunidades de trabalho e ainda são vistas como seres inferiores. 

As jovens da pequena cidade de Isaan, situada a 350 quilômetros de Bangkok, por exemplo, são as que estão mais suscetíveis a entrarem neste ramo devido a sua tonalidade de pele mais escura – acredita-se que esta característica é o que mais atrai os homens ocidentais – e discriminação por serem consideradas uma classe inferior dos tailandeses (os moradores desta região possuem traços raciais e étnicos próximos ao Laos).  

O bairro Patpong, o famoso “bairro vermelho”, é o distrito da luxúria onde as casas noturnas, karaokês, salas de massagem e hotéis possuem “serviço especial” para os estrangeiros. Embora seja um atrativo turístico, a prostituição é ilegal desde a década de 1960, e as mulheres pegas em flagrantes devem pagar uma multa de US$ 1.274 ou, então, são detidas por dois anos. No entanto, a Service Workers in Group, uma organização de apoio às trabalhadoras, está em ação para que a lei tailandesa seja revogada e permita que elas sejam protegidas pelas leis trabalhistas. 

 

BANGKOK É UM DESTINO SEGURO? 

Embora esteja vivendo dias tensos com as manifestações para depor o atual primeiro-ministro por sua forma de lidar com a pandemia do Covid-19, a cidade permanece sendo segura para os turistas. Além das baixíssimas taxas de criminalidade, ataques a turistas são muito raros. 

No geral, a Tailândia é o país menos perigoso do Sudeste Asiático para viajantes. Porém, é essencial manter cuidados básicos durante a viagem para evitar sofrer golpes ou ser surpreendido por batedores de carteira. Ande apenas com cópias dos documentos, e deixe todos os originais no cofre do hotel.

Viajantes LGBTQIA+ podem planejar as suas viagens com tranquilidade para Bangkok. Em julho de 2020, o governo aprovou o projeto de lei que permite o registro legal de união entre pessoas do mesmo sexo. Embora não comemorem o Orgulho Gay, eles são responsáveis pelo GCircuit, a maior festa da comunidade gay da Ásia. O evento acontece cada primavera durante o mesmo período do festival anual Songkran (Ano Novo Tailandês).

Por fim, importante ressaltar que demonstrações de carinho em público, tanto por casais héteros ou homo, são consideradas ofensivas para os tailandeses – eles acreditam ser algo muito íntimo para dividir com outras pessoas, por isso, se sentem desconfortáveis. Então, a dica é pegar leve nos beijinhos e abraços.