Os rios Rímac, Chillón e Lurín correm por Lima e deságuam no Oceano Pacífico, à frente dessa que é a única capital litorânea da América Latina. Assim como os rios, há um pôr do sol extraordinário que também se desfaz no oceano, para ser contemplado em meio ao caos (super) populoso da cidade, mesmo que por apenas alguns meses do ano. E nos meses em que o pôr do sol “não acontece”, Lima está — curiosamente — completamente nublada. 

A explicação é que a corrente de Humboldt, a corrente mais fria do mundo (nasce nas proximidades da Antártica), percorre a costa do Peru e no encontro com o ar quente forma muitas nuvens. Enquanto isso, a Cordilheira dos Andes funciona como uma barreira natural impedindo essas nuvens de irem embora, conservando esse aspecto nublado. Com exceção do verão, ou seja, aproximadamente, quatro meses por ano. 

 

AS CORES DE LIMA 

O clima cinzento na maior parte do ano não afeta a viveza dessa cidade, até porque, estamos falando de uma capital em que apenas 10% das pessoas estão acima dos 60 anos, ou seja, Lima é uma cidade ‘mais jovem’ e talvez por isso seus cantos manifestem tanta arte, o que colore as suas ruas e dão um tom descolado aos passeios. Aliás, sua paisagem urbana é um ótimo cenário para os que aproveitam a vibe boêmia da cidade, especialmente no bairro Barranco. Além da arte, tem outra característica que colore as ruas: os carros coloridos, uma marca da cidade! E tem também o verde dos muitos parques e praças que compõem a cidade, numa tentativa recente do governo de melhorar a qualidade da vida dos cidadãos, que sabem aproveitar bem a mudança!

E de maneira ainda mais fascinante, as cores vibrantes desse cenário cosmopolita dividem espaço com o bege-abandonado das ruínas desérticas pré-incas, as huacas, situadas em meio a cidade e que conservam histórias de um passado muito distante, de quase cinco mil anos atrás. Em meio ao bairro de Miraflores e de San Isidro, dois dos quatro bairros mais famosos da capital, você encontrará evidências arqueológicas do que um dia foram as várias civilizações pré-incas. 

O povo inca, junto às heranças culturais de outras civilizações andinas e dos povos que os sucederam, violentamente, como os espanhóis, italianos e chineses, forjaram a identidade limenha que, por sua vez, compreende os seus longos quilômetros – ou tentáculos – pelo qual Lima ficou conhecida pelo apelido “O Polvo”. 

 

IDENTIDADE LIMENHA

A história milenar do povo peruano é formada por uma ancestralidade plural, sendo o povo Caral o primeiro representante dessa linhagem, ao assentar na cidade mais antiga de todo o continente americano. Depois, apareceram os Limas, Mochica, os Wari, os Huari, os Chachapoya, os Chincha, entre outros, e, por último, os Inca que são como um ‘mosaico’ dessas diferentes culturas. 

O Império Inca, por sua vez, ou Tahuantinsuyo como chamado em quechua, idioma indígena ainda falado por dez milhões de pessoas,  significa ‘quatro direções’,  em alusão a sua grandiosidade territorial  que compreendia mais de 4000 quilômetros ao longo da Cordilheira dos Andes (mesmo sem boas estradas, sem cavalos nem rodas) – da Colômbia até o norte do Chile.

Contudo,  diferentemente do que estudos indicaram por anos, a existência desse império abarca pouco mais de cem anos de uma história que é muito mais extensa. Com a descoberta de outros povos, a noção temporal da história da civilização peruana se expandiu para quase cinco mil anos, aliás, com vestígios humanos que datam de mais de dez mil anos. 

Essas civilizações, até então nômades, foram definidas pela fertilidade do solo ali presente – abundante e excepcionalmente diverso. Elas, por fim, se assentaram na região que considera-se hoje como sendo a mais produtiva do mundo. Ainda que a aridez e a pouca precipitação tornassem o lugar pouco estimado às civilizações primitivas, o saldo foi extremamente positivo. 

 

LIMA, A CAPITAL GASTRONÔMICA DA AMÉRICA

Os ecossistemas da região andina, que compreendem a selva Amazônica, a aridez da costa e montanhas de altitude alta, oferecem uma variedade imensurável de ingredientes ao longo do ano todo e, especialmente “dedicados” a Lima, a segunda maior cidade do mundo em um deserto (depois do Cairo) e uma das dez maiores cidades da América – ou seja, tem os recursos para preparar infinitas receitas e divulgá-las ao mundo. 

Esse fato conduziu um fenômeno gastronômico que garantiu a Lima o título de capital gastronômica da América Latina. Um motivo mais que suficiente para se visitar a cidade que, atualmente, tem quatro de seus restaurantes ocupando  posições no ranking dos 100 melhores restaurantes do mundo. E não à toa, organiza o festival Mistura, a maior feira gastronômica da América Latina. A graça é que, estrelados ou não, os restaurantes em Lima costumam ser superiores e, com a desvalorização dos pesos peruanos em relação ao real, mais em conta. 

Além da desvalorização da moeda, tudo no Peru já costuma ser mais barato do que no Brasil. Isso vale também para o transporte, o que é um grande alívio aos turistas que não precisam pegar carro e encarar na direção o trânsito caótico dos nove milhões de habitantes da cidade, e podem dispor tranquilamente dos transportes privativos.  

 

DESAFIOS PÓS IMPÉRIO INCA

Ao mesmo tempo em que Lima registra uma das maiores taxas de densidade demográfica da América Latina (só não maior do que a de São Paulo) e de motorização, a cidade não dispõe de uma malha considerável de metrô e trem, e o resultado é um trânsito truculento e uma baixa na qualidade de vida. Você vai ver muitos carros amassados, coloridos porém amassados, em decorrência desse trânsito incontrolável. Inclusive, o trânsito de Lima eleva a classificação do ar da cidade para o mais poluído da América Latina que, por sua vez, é associado também a outro fato: abarcar 70% das indústrias do Peru.

Essa cidade, um dia parte do Império Inca (o maior da América pré-colombiana, cuja capital era Cusco), atualmente enfrenta vários desafios urbanos, inclusive parecidos com qualquer outra cidade latino-americana e, claro, muitos deles advindos da desigualdade social. Criação de pueblos jovenes (favelas) que, inclusive, crescem cada vez mais, baixo saneamento básico, problemas com tráfico de drogas, especialmente a cocaína e, por consequência, o crime organizado, entre outras questões.  Aliás, Lima pode ser bem parecida com São Paulo ou até mesmo o Rio de Janeiro, por conta do mar, a nível de caminhar por aí e não sentir que se está tão longe de casa, diferente de Macchu Picchu, Cuzco etc. 

Alguns desses problemas, contudo, são provocados pela própria geografia da cidade: os abalos sísmicos, ou terremotos quando atingem uma magnitude de 6 ou 7. São um fenômeno de vibração brusca e passageira que, no caso de Lima, acontecem praticamente todos os dias. 

Capazes de provocar estragos bem grandes, os terremotos marcaram a história da cidade que já teve construções antigas destruídas. E alguns desses tremores, inclusive, foram sucedidos por tsunamis e já causaram, de uma só vez, a morte de 700 pessoas. Ao mesmo tempo em que técnicas de arquitetura inca permitiram que muitas de suas construções permanecessem intactas, hoje dividindo espaço com as construções da recém-nomeada Lima, a ‘nova’ capital do Peru.