Por Laís Ribeiro

Munique é a capital do estado da Baviera, o estado mais rico da Alemanha. As pessoas ali são educadas, reservadas e um pouquinho conservadoras, mas no geral bastante solícitas.

Nosso estereótipo do povo alemão costuma cair em duas categorias: a do cosmopolita moderninho, frequentador de loucas raves e fluente em inglês; e a do típico alemão vestido em seu lederhosen (aquelas calças de couro com suspensórios que a gente associa com alemães na Oktoberfest), com seus canecões de cerveja e um sotaque pesado. Com exceção do lederhosen, o alemão que você encontra na Baviera é o mais próximo que há dessa segunda categoria.

 

APAIXONADOS POR TRADIÇÕES

Viajar para Munique é caminhar por ruas de pura história e orgulho alemães, onde cada pedacinho de regionalidade é prestigiado. O povo bávaro é apaixonado por suas tradições, e trabalhos manuais são valorizados por simbolizarem o conhecimento aperfeiçoado ao longo de uma vida ou até de gerações. Portanto, para aproveitar a capital bávara, é imprescindível conhecer sobre seu passado; entender como ela veio a se tornar uma potência  econômica, política e cultural com influência para além das fronteiras da Alemanha.

Baviera é nossa tradução para o original Bayern, e é muitas vezes confundido com Bavária, que é a palavra derivada do inglês e não oficialmente adotada pela língua portuguesa como sinônimo de Baviera. Além disso, a palavra vem de uma das tribos celtas que um dia habitaram a região, conhecida como boios, ou, em alemão, böhmen. Foi também a influência desse povo que levou ao batismo da região da Boêmia, que engloba o que hoje conhecemos como Baviera e um pedaço da República Tcheca.

 

O “rei louco” da Baviera

 

O estado é o local do reinado da família Wittelsbach, cuja dinastia perdurou por dez séculos; de nobres do ducado bávaro a reis da Baviera e controlando até outras áreas do que hoje é a Alemanha. Foi a essa família que pertenceu Ludwig II (ou Luís II), o “rei louco” responsável por encomendar a construção dos famosos castelos da Baviera. Entre eles, o mais conhecido de todos, Neuschwanstein, o castelo que inspiraria o da Bela Adormecida construído nos parques da Disney de Anaheim.

Ludwig II assumiu a coroa com 18 anos, e demonstrou total desinteresse pelos assuntos políticos. Isolou-se socialmente e começou projetos que não se justificam, como os palácios que construiu. Seus castelos encantam turistas do mundo todo, mas, na época de sua construção, custaram toda a reputação de Ludwig II, destronado em 1886.

 

Arquitetura de Munique

Fora os palácios do “rei louco”, a arquitetura bávara não chega a chamar atenção logo de cara; especialmente em contraste com a retorcida Berlim — cujo skyline é cheio de curvas e mesclas geométricas.

Vista de cima, Munique é como muitas cidades europeias: telhados avermelhados, prédios antigos coladinhos uns nos outros e alguns arranha-céus desgarrados aqui e ali. Porém, como toda grande cidade cosmopolita, a capital bávara exibe exemplos de estilos arquitetônicos de múltiplas escolas e épocas, desde a neogótica Frauenkirche, uma de suas mais antigas catedrais, até a simbólica Michaelskirche, construída no estilo barroco como parte do movimento da contrarreforma católica que ocorria no final do século XVI.

Aliás, basta olhar um pouco mais para apreciar as variedades estilísticas da cidade. Isto é, a própria origem da prosperidade de Munique tem a ver com arquitetura, já que a partir da construção da primeira ponte sobre o rio Isar, foi estabelecido um pedágio que gerou grande renda para a cidade.

Durante o reinado de Ludwig IV (Luís IV), que de duque da Baviera passou a ser rei do Sacro-Império Romano Germânico, a cidade passou por um período de grande prosperidade financeira e política, atraindo artistas e arquitetos e, consequentemente, dando uma nova cara ao visual de Munique.

Nessa época, as áreas onde hoje se situam a Marienplatz e o Viktualienmarkt foram, por decreto, mantidas livres de prédios e outros edifícios, compondo o que então seria chamado de Cidade Velha. Hoje, a Marienplatz se tornou a praça mais conhecida da cidade, central entre os mais tradicionais cartões postais de Munique, e o Viktualienmarkt passou a comportar um mercado diário e um dos mais frequentados biergartens da cidade.

 

A LEI DA PUREZA

 

A Lei da Pureza Alemã, ou Reinheitsgebot (diga comigo: rainrraitsguebot), também teve origem na Baviera, e perdura desde 1516 até hoje. É o atestado de qualidade de uma boa cerveja tradicional alemã. Atenção para a palavra-chave aqui: tradicional.

Por outro lado, á algumas polêmicas no universo cervejeiro quanto se a Lei da Pureza deve ser de fato considerada como um certificado de qualidade. Afinal, ela apenas identifica se a cerveja leva os ingredientes clássicos de produção — o que não quer dizer que cervejas mais modernas, com acréscimo de ervas, essências aromáticas e até suco de frutas, não sejam de boa qualidade.

Ela foi criada antes mesmo da Alemanha existir como país unificado.

Segundo o decreto, para ser considerada pura, uma cerveja não deve conter ingredientes além de água, lúpulo e cevada. Apesar de prezar pela alta qualidade da cerveja, a lei surgiu com o objetivo de regulamentar a produção da cerveja. O mercado estava em rápido crescimento na época, e  seu uso estava causando competição com outro produto muito importante para os alemães: o pão.

E por fim, com o avanço da ciência, a Lei da Pureza Alemã passou a descrever também as leveduras como ingrediente componente da cerveja. Visto que, na época de sua concepção, não se tinha o conhecimento de que as leveduras existiam. Isto é, elas já faziam parte do processo de fabricação, mesmo que os cervejeiros não se dessem conta disso.

 

OKTOBERFEST COMEÇOU COM UM CASAMENTO

 

E a história de Munique com a cerveja não para por aí; entre 1806 e 1918, o ducado da Baviera tornou-se o reino da Baviera, após o desmantelamento do Império Romano graças às ações de Napoleão Bonaparte. Durante esse período, a Baviera foi um dos poderes mais influentes na geopolítica europeia. Aliás, foi nessa época também que o festival mais conhecido da Alemanha nasceu. Em 1810, o rei bávaro Ludwig I (Luís I) decidiu organizar uma grande festança para celebrar seu casamento; um evento que durou dias e foi regado a música popular e muita cerveja.

A comemoração teve tanto sucesso que foi repetida nos anos seguintes. Iniciando-se sempre no primeiro sábado depois do dia 15 de setembro e encerrando-se tradicionalmente no primeiro domingo de outubro, durando uma média de 17 dias. A celebração ficou conhecida como Oktoberfest, literalmente “Festival de Outubro” (apesar de ter seu início e a maior parte de sua duração no mês de setembro).

Essa tradição teve grande influência no estilo de vida muniquense, estabelecendo o hábito de se acomodar ao lado de estranhos em uma mesa ao ar livre em noites quentes de verão, a ponto de afetar até a arquitetura da cidade e a quantidade de espaços dedicados a evidenciar essa atmosfera.

 

Presente

Em 1871, o povo alemão unificou-se e constituiu o país da Alemanha. Após os acontecimentos da Primeira Guerra Mundial, a dinastia de Wittelsbach finalmente deixou o poder; embora seus descendentes ainda sejam conhecidos como a “realeza” bávara e usufruam de benefícios, como morar no palácio de Nymphenburg e poder pegar emprestadas as jóias reais para uso pessoal. 

Em um período mais próximo de nossa própria época, a cidade de Munique foi escolhida por Adolf Hitler e pelo Partido Nacional-Socialista, mais conhecido como Nazista. O futuro ditador tentou tomar o poder do estado da Baviera em 1923, no que hoje é chamado de Hitlerputsch (golpe do Hitler em alemão), ou Golpe da Cervejaria em português. Contudo, a tentativa falhou e Hitler, junto com outros agentes, foi preso. Foi nesse período de encarceramento que escreveu Mein Kampf (“Minha Luta”), cujas páginas retrataram as principais ideias que alicerçaram os horrores causados pelo nazismo. 

Dez anos depois, os nazistas conquistaram o poder na Alemanha, e Munique foi utilizada como um grande centro político e militar pelo partido. Tornando-se assim um dos alvos mais afetados pelos ataques e bombardeios dos Aliados. O centro histórico e todos os prédios e localizações mais importantes da cidade foram destruídos. E, numa atitude dispar da maioria das outras cidades alemãs, os muniquenses optaram por reconstruir os edifícios. E o fizeram da forma mais semelhante possível à sua condição anterior — ao invés de refazê-los de acordo com os estilos e técnicas modernos. O resultado é o ótimo estado de preservação dos prédios e praças históricos, mesmo com a perda na qualidade de materiais utilizados e falta de detalhes em algumas instâncias.

Durante o controle nazista, as proximidades de Munique também foram usadas como base para um campo de concentração, Dachau. Hoje, o local é aberto para visitação, e marca as ações nefastas de um líder carismático e seus seguidores, para evitar que seus horrores sejam cometidos novamente.