Por Letícia Vanelli

De trem, Montpellier está localizada a cerca de três horas de Paris, seis horas de Barcelona e sete horas de Milão. Isso sem contar os dez quilômetros que separam esta pequena cidade do estado de Occitânia, no sul da França, do Mar Mediterrâneo

Apesar de Paris ainda ser o destino favorito para muitos, Montpellier surpreende por sua riqueza cultural. A cidade não dá espaço para o tédio se alojar; sempre tem um lugar para descobrir. As ruas em paralelepípedo contam histórias ao lado dos antigos casarões construídos na Idade Média. Além disso, apesar da aparência medieval, seus becos estampam grafites que mostram sua vocação para ser uma cidade cada vez mais jovial e dinâmica.

O clima agradável conquista o viajante que foge das temperaturas mais baixas. São 300 dias de sol por ano, enquanto as geadas no inverno são bem raras. Em apenas um final de semana, você se apaixonará por esta cidade que, apesar de parecer pacata, tem muito a oferecer. Aliás, até mesmo os locais já avisam: “você vai voltar, com certeza!”

MONTPELLIER SE DIFERE DE OUTRAS CIDADES FRANCESAS

As cidades da região sul da França, em sua maioria, foram fundadas por romanos, mas a história em Montpellier é diferente. Tudo começou em 950 d.C. quando Guilhem, membro de uma família feudal de Toulouse, ganhou terras do conde Bernardo de Melgueil.

Esta pequena área foi se desenvolvendo gradualmente, acolhendo principalmente os judeus e muçulmanos ao seu redor. A partir deste momento, iniciou-se a dinastia dos Guilhems de Montpellier. Por ser um ponto estratégico para os mercadores, Montpellier pode se desenvolver exponencialmente com o sistema feudal, assegurando uma estabilidade política em muito pouco tempo.

Os comerciantes da cidade tinham muitos negócios de importação de especiarias e plantas terapêuticas que iam da África ao Extremo Oriente. Por conta dos seus dois portos fluviais, a cidade era a principal porta de entrada destes produtos no Reino da França. A título de curiosidade, a cidade dos Guilhems se tornou conhecida como Montpellier na segunda metade do século XI, até então, todos a chamavam de mons pislerius, referenciando o corante à base de plantas usado na época. 

Os Guilhems governaram até o século XIII quando Marie de Montpellier se casou com Pedro II de Aragão, conde de Barcelona. A partir deste momento, a cidade se tornou vassala da coroa de Aragão. O casal teve dois filhos: Jaime I e Sancha, que se casou com Raimundo VII, filho do Conde de Toulouse.

COMO FOI A QUEDA DO REINO DE ARAGÃO EM MONTPELLIER?

Por divergências religiosas, Pedro II de Aragão foi morto durante a Batalha de Muret, confronto decisivo promovido pela Igreja Católica em 1209 para eliminar a heresia dos cátaros – eles acreditavam na existência de um Deus bom e outro mau responsável pelo reino espiritual e físico, respectivamente. A partir desta derrota, os vassalos da Coroa de Aragão tiveram que assinar o Tratado de Meaux-Paris que marca o início da dominação francesa sobre a região da Occitânia.

Em 1349, sob o comando do rei Filipe VI da França, Montpellier se tornou uma das cidades mais importantes do país, embora no final do século tenha sofrido com as consequências da praga que dizimou mais de um terço de sua população.

Durante todos esses anos, a cidade vivia sob influência da igreja católica, mas, no século XVI, muitos habitantes se converteram ao protestantismo. Em outono de 1561, os protestantes se uniram para destruir cerca de 25 igrejas católicas – a Catedral St.Pierre foi a única que sobreviveu aos ataques. A Guerra Religiosa durou muitos anos, até que Luís XIII, em 1622, acabou com a hegemonia protestante e reviveu a cultura católica.

RECONHECIDA POR SUAS UNIVERSIDADES

Sem pensar duas vezes, Montpellier é a melhor cidade francesa para os estudantes. São mais de 457 mil habitantes na metrópole, sendo que a metade da população tem menos de 34 anos. Intercambistas do mundo inteiro – principalmente suíços alemães – escolhem uma das centenas de escolas de idiomas da cidade para iniciar ou até mesmo aperfeiçoar seus estudos no francês, sem contar os inúmeros que iniciam a graduação, mestrado ou doutorado. 

Apesar de ser um dos destinos favoritos para a imersão na cultura francesa, Montpellier ainda conta com uma tradição de ensino respeitável. A Universidade de Montpellier, fundada em 1289, é uma das mais antigas e bem conceituadas do mundo, principalmente, por seu curso de medicina. Celebridades como o escritor François Rabelais, Nostradamus, conhecido por suas profecias, e um dos primeiros cientistas de anatomia comparada, Pierre Belon, concluíram suas formações acadêmicas por aqui. 

O custo de vida em Montpellier ainda é quase 50% mais acessível que Paris. Além disso, a cidade mediterrânea é uma das que mais cresceram na França nos últimos anos. Esse resultado é fruto da união do estilo de vida moderno, porém tranquilo, com uma boa atividade econômica. 

GASTRONOMIA TÃO BOA QUANTO A PARISIENSE

A gastronomia francesa é reconhecida e respeitada em qualquer lugar do mundo e ainda serve como a base da formação de qualquer chef de cozinha. Entre os mil restaurantes e bistrôs da cidade, cerca de 16 foram premiados com, pelo menos, uma estrela Michelin — muitos deles estão no bairro histórico, Écusson

Inclusive, Montpellier fica atrás apenas de cidades como Paris, Bordeaux e Lyon – o berço da gastronomia francesa – com 430, 30 e 20 restaurantes premiados, respectivamente. Além de uma cozinha excepcional, a estrela Michelin também representa a originalidade do chefe, assim como a qualidade do atendimento e ambiente.

A oferta de vinhos é outro destaque! O Garhiofilatum foi um dos mais célebres da cidade por seu sabor peculiar envolto por especiarias como canela, cravo, cardamomo e raízes de valeriana – esta mistura de sabores era responsável pela conservação do vinho. Apenas a nobreza tinha acesso a ele que, inclusive, era um dos favoritos de Henri III, rei da Inglaterra

Apesar da alta qualidade, assim que novas técnicas de vitivinicultura surgiram, esta receita de 1249 deixou de ser passada de geração para geração e fez com que caísse no esquecimento. Até que um grupo de historiadores, após cinco anos de pesquisa, encontraram a receita original de Garhiofilatum e decidiram mantê-la em segredo com o enólogo Château d’Exidre, localizado em Villeneuve-Les-Maguelone, o único autorizado a produzir e comercializar este vinho.

O Garhiofilatum não é o único tesouro de Montpellier! Grande parte dos rótulos eram produzidos a partir da uva Carignan, mas, com o tempo, Syrah, Grenache e Mourvèdre foram ganhando espaço na região. Já o vinho branco, atualmente, tem o sabor do cultivo das uvas Bourboulenc, Clairette, Chardonnay, Picpoul e Muscat. 

O QUÃO SEGURA É? 

Como em qualquer cidade grande, é essencial tomar alguns cuidados básicos de segurança. O risco em geral é bem baixo, mas isso não significa que uma situação desgastante não possa acontecer. 

Como Montpellier recebe um número muito grande de turistas, principalmente, estudantes, é comum que os batedores de carteiras estejam atentos aos mais vulneráveis. Por isso, redobre a atenção com pessoas que ofereçam ajuda inesperada. Importante sempre deixar seus documentos originais no hotel e estar acompanhado apenas com as cópias. 

Para as mulheres que decidem viajar desacompanhadas, é importante tomar cuidado ao voltar sozinha para casa após as 23h. Além disso, a abordagem e o flerte europeu são um pouco mais “agressivos” comparando aos brasileiros – durante uma caminhada, eles podem te abordar, pedir o seu número de telefone e ainda, em poucos minutos de conversa, sugestionarem um encontro. É sempre bom ter atenção redobrada!