Por Laís Ribeiro

Em 1503, quando os portugueses mandavam ainda as primeiras naus de exploração às Américas, um fidalgo interessado no “novo mundo” financiou uma das expedições de Américo Vespúcio com destino ao Brasil. Em meio a essa expedição, um arquipélago foi descoberto bem no meio do Atlântico Sul, a cerca de 360 quilômetros do continente. Presenteada ao fidalgo em agradecimento ao seu investimento, a ilha seria batizada em homenagem ao nobre, cujo nome era Fernão de Loronha.

Opa! Não era Fernando de Noronha?

Curiosamente, o nome real do homem de quem a ilha tira o nome era, de fato, Fernão de Loronha, e só graças a erros de pronúncia popularizados na boca do povo é que o arquipélago chegou à versão atual, Fernando de Noronha. E só foi se chamar assim em 1540, ano da morte do fidalgo e vinte anos antes de seus sucessores abandonarem a ilha. Em anos anteriores, o arquipélago passou por várias mudanças de nome, entre elas “Ilha de São Lourenço”, “Ilha de São João” e “Ilha da Quaresma”.  

A expedição que descobriu a ilha veio com o objetivo de explorar o pau-brasil para enviá-lo a Portugal, e o arquipélago se provou não só fonte do material, como também a perfeita estação intermediária de armazenamento geral para os portugueses. A madeira era coletada ao longo de toda a costa brasileira, transportada até Fernando de Noronha, agrupada e então enviada em um navio em direção à Europa.

O arquipélago só seria incorporado à capitania de Pernambuco em 1700, com o intuito de dificultar ou impedir invasões de nações inimigas ao nordeste brasileiro. Os holandeses, que ocuparam Pernambuco no século XVII, já haviam usado a ilha para construir algumas pequenas fortificações, e os franceses se tornariam uma nova ameaça em meados do século XVIII. A fim de combater as ocupações, o governo da capitania de Pernambuco determinou a construção de fortalezas militares, levando, em 1737, à edificação do Forte de Nossa Senhora dos Remédios e do Forte de Santo Antônio, hoje ainda parcialmente preservados.

Atualmente, são 10 ruínas populares e bem conhecidas espalhadas pela ilha. Um dos fortes, incluído em registros cartográficos ingleses, desapareceu dos documentos históricos e não foram encontrados vestígios de sua existência até hoje. Sabe-se apenas que ele existiu porque o nome da topografia local — Praia da Atalaia e Cacimba da Atalaia — faz referência a uma “atalaia”, palavra sinônimo para posto de vigia.

Ruínas de canhões apontam para o mar de Noronha.

As ruínas dos fortes e canhões adornam a vista de cima do mar turquesa de Noronha. Foto: Flickr/Rosanetur

O verdadeiro processo de habitação da ilha, no entanto, só aconteceu entre 1739 e 1910, quando ela se tornou o Presídio Fernando de Noronha e foram alicerçadas as fundações para as áreas hoje povoadas da Vila dos Remédios e da Quixaba. Nessa época, o arquipélago foi usado como prisão, recebendo desde presos comuns até importantes presos políticos, como Carlos Marighella, guerrilheiro comunista que chegou a ensinar filosofia durante sua estadia na ilha. 

Esse foi um período de grande perda natural para Noronha, visto que, para impedir a construção de jangadas e embarcações de fuga pelos presos, os cárceres decidiram derrubar as árvores de madeira resistente ao mar, quase extinguindo a espécie endêmica de trepadeira gameleira-de-noronha

Foi também durante a época carcerária de Noronha que, em 1838, Charles Darwin, em sua expedição global, fez uma parada no arquipélago para observar a fauna e flora local. Vinte anos depois, o naturalista publicou o livro A Origem das Espécies, que fundamenta toda a base do conhecimento científico sobre evolução e seleção natural que temos hoje.

Apesar da relativa liberdade — os presos podiam circular livremente pelo território —, a prisão ficou conhecida por suas dependências precárias e por obrigar os detentos a trabalhar até a exaustão na construção das edificações noronhenses como parte da pena. A mão-de-obra carcerária foi responsável pelas casas, capelas, ruas e praças de Noronha.  A prisão só foi encerrada no ano de 1942, e, apesar de muitos dos residentes atuais da ilha serem descendentes dos detentos, os ilhéus preferem não mencionar essa parte de seus passados.

Em 1942, a ilha virou base avançada de guerra durante a Segunda Guerra Mundial, transformada em território federal, e só foi devolvida a Pernambuco em 1988, 46 anos depois. Durante a Guerra, o primeiro e único aeroporto de Fernando de Noronha foi construído pelas Forças Aéreas do Exército dos Estados Unidos, tornando-se um território federal administrado por militares, que incluía o Atol das Rocas e o Arquipélago de São Pedro e São Paulo. Hoje, o aeroporto funciona como qualquer outro e recebe voos diários partindo de Recife e Natal. 

Em 1988, foi criado o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PARNAMAR), que hoje ocupa 70% da área de todo o arquipélago, incluindo a ilha principal e as ilhas satélites. Finalmente, o conjunto de ilhas foi classificado como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco em 2001, completando a configuração do paraíso noronhense que conhecemos hoje.